Quando se passam muitos dias num hospital, como visita neste caso, vamo-nos apercebendo dos pequenos e grandes dramas de cada doente. Passa muita gente pelas camas dos hospitais, a maior parte de breve passagem, mas nos que vão ficando vamos encontrando semelhanças, que afinal nos fazem muito iguais uns aos outros.
Falo de um caso particular. Uma mulher, com mais de sessenta anos, está no hospital há cerca de um mês. A cada dia que passa, com cada conversa que se enceta, verifico que esta mulher é como uma âncora que prende o barco da sua família ao chão, num mar raso, onde é possível combater as ondas, ver a margem e manter-se à tona.
Sem esta âncora, o barco segue à deriva, encalha de vez em quando, atravessa grandes tempestades sem conhecer a arte de bolinar. Sem o peso que prende à terra, o mar entra no barco, não serve de nada pescar porque não há quem cozinhe, as velas são desfraldadas no tempo errado e o sol torra as peles que não sabem quando se abrigar.
Sobrevive-se, claro, que nisso o ser humano é especialista, mas vive-se pouco e apenas quando não há ondulação e enquanto houver água potável a bordo.
Mas quando os marinheiros perceberem que esta âncora está ferrugenta, tanto que se pode desfazer a qualquer momento, que precisa de ser arranjada, mas que vai levar muito tempo, vão tentar usar os seus próprios corpos como fateixa...e não vão conseguir.
Estes marinheiros, que encontravam sempre um porto seguro, vão ter que usar outro nónio, mesmo que a âncora volte a ter a mesma força...porque esta provação é apenas um ensaio.
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